Artigo
"A vida é curta, a arte, longa"
Por Paulo Rosa
médico do SUS
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"A vida é curta, a arte, longa, a ocasião, fugaz, a experiência, insegura, o juízo, difícil. É preciso não apenas fazermos o que é devido, se não também que o enfermo, os presentes e as circunstâncias externas também contribuam para esse fim".
Assim, Hipócrates de Cós, 460 - 375 a.C., conhecido grego fundador-pai da Medicina Ocidental, abre o Tratado de Aforismos, seu livro mais conhecido, depois do volume que se refere ao Juramento Médico. Ele deixa perceber o quanto era cético com respeito ao próprio conhecimento, fato que o torna permanentemente atual. Com apenas este aforismo, denso e revelador, os esculápios destes tempos conturbados poderão encontrar bom rumo. Estamos necessitados. Pobre Hipócrates, deve ter se retorcido no túmulo com as últimas pérolas do Conselho Federal de Medicina. Mais uma vez, - pasmemo-nos - os garbosos doutores conselheiros levantaram dúvidas sobre a eficácia de vacinas.
Em outra seção o sábio afirma: "a comida e a bebida, ainda que de pior qualidade, mas mais agradáveis, são preferíveis às de melhor qualidade, mas menos saborosas". Um sinal de alerta para hospitais, ou cuidadores avulsos, sobre o quanto é importante para o enfermo o aspecto visual do que oferecem aos pacientes. Até na comida, o belo é terapêutico.
Esse conjunto de aforismos, abordando variadas questões da prática médica, fazem parte da Coleção Hipocrática, constituída por mais de setenta volumes em que a totalidade das perspectivas ligadas à saúde se fazem presentes. Os estudiosos acreditam que esses textos foram elaborados por muitos dos médicos que então estavam sob a orientação de Hipócrates, constituindo uma espécie de escola, a da ilha de Cós.
Notável também - e muito atual - é que o grego não se interessava somente por questões médicas. É conhecido que ele se dedicava às questões da arte e da filosofia. A esta matéria ele estudava com atenção, tendo aprendido com filósofos consagrados, como Demócrito, Melisso de Samos e o sofista Górgias, figuras que tinham então projeção profissional.
Essa esteira se estendeu por toda a Antiguidade, alcançando dias atuais quando pensadores médicos, como o português Ariel Salazar, vem afirmar que 'quem só sabe de Medicina, nem de Medicina sabe', deixando o alerta para abrangência necessária na formação dos profissionais: formar médicos de corpo, alma e contexto. Só, então, poderão realizar diagnósticos mais completos e, a consequência, tratamentos mais adequados.
Estudos sobre a arte de curar na Antiga Grécia ressaltam que "conclusões baseadas em pura teoria, em ausência de fatos demonstráveis, não alcançam bons resultados, pois é insegura e traiçoeira a afirmação que se acompanha de palavraria".
A Medicina contemporânea ganhou força ao tratar de basear-se em evidências, em que pese que as evidências apresentam sérias fragilidades desde o ângulo filosófico. Assim se observa no Tratado da Evidência, de Fernando Gil.
Hipócrates vive.
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